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PESQUISA

Entre 1998 e 2012, adentrei mundos infantis contando histórias e brincando faz de conta, como educadora na Casa Redonda Centro de Estudos, atual Escola Casa Redonda, em Carapicuíba, sob orientação da pedagoga baiana Maria Amélia Pereira (Péo). Desde 2014, sigo essa aventura na Escola Ciranda Educação, em Cotia. Ambos os espaços de Educação Infantil afirmam a existência de uma cultura própria às infâncias, que reconhece o Brincar como linguagem universal de (auto)conhecimento. Não são escolas pautadas na funcionalidade do brincar enquanto pedagogia com objetivos curriculares pré-estabelecidos e, sim, propostas abertas a uma “educação da sensibilidade” em que a Criança, o Brincar e a Natureza se encontram intimamente afinados, a serviço do que poderia ser chamado de “currículo interno”.

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Esse exercício – que compreende a infância para além de uma fase da vida, como um estado humano de disponibilidade para o crescimento - envolve experiências de aprendizagem por meio de vínculos significativos: da criança consigo mesma, com outras crianças e com os educadores. Nessa perspectiva, o educador é a pessoa que procura escutar, acolher e ampliar o movimento livre das crianças - podendo aprender muito sobre si mesma nesse convívio - alfabetizando-se na linguagem do Brincar por meio de encontros centrados nas possibilidades criadoras do ser humano.


O ponto de partida para minha pesquisa de mestrado em 2022 foi o pedido de uma criança de 5 anos, em 2011: Conta uma história de engolir? Num primeiro momento, sem compreender, pedi que me explicasse melhor e, prontamente, ela foi lembrando vários contos populares conhecidos que afirmava serem ‘de engolir’. Percebi como havia tecido relações entre narrativas tradicionais - contos e mitos das mais diversas culturas - nas quais personagens são engolidas e vão parar dentro da barriga de outras. Foi o pedido dela que me levou a pesquisar o motivo mítico do regresso ao útero relacionado a ritos arcaicos de Iniciação, abrindo para mim um vasto campo de investigações: naquele instante, eu me dei conta de que essas imagens também estavam presentes, de forma espontânea, em inúmeras brincadeiras de faz de conta que vinha acompanhando.


Comecei a olhar com novos olhos para essas brincadeiras e identifiquei dois movimentos recorrentes: as brincadeiras de nascer, morrer e renascer (dentro de cabanas, caixotes, cestos, baús, berços, ninhos, covas de areia, ovos, casulos etc) e as brincadeiras que envolviam fuga, combate e transformação de personagens devoradoras (bruxas, onças, lobos, gigantes, papões, monstrengas etc). Algumas vezes, os movimentos se alternavam naturalmente num mesmo faz de conta.


Repetidamente, eu observava pontos de encontro entre imagens presentes nos contos e no brincar infantil. Havia os livres roteiros inventados por elas, nos quais de vez em quando eu reconhecia “retalhos” de narrativas tradicionais conhecidas. Havia os “teatros das histórias”, ou seja, as dramatizações que transbordavam dos contos que eu narrava oralmente. E havia as experiências que, a meu ver, se davam num âmbito mais profundo, por meio das quais as crianças habitavam imagens primordiais relacionadas ao ciclo de morte e (re)nascimento, ritualizando momentos importantes de vida.


Desse último conjunto de “brincadeiras-rito”, emergiram muitas inquietações. Quais sentidos profundos as crianças estariam construindo? De que maneira essas narrativas do brincar traduziam gestos ancestrais? Poderiam ser compreendidas como fenômenos da natureza humana? Em que medida as histórias de tradição oral contadas contribuíam para esse tipo de faz de conta?


As investigações iniciadas naquele momento de forma bastante intuitiva foram mais tarde aprofundadas à luz de arcabouço teórico - os estudos do Imaginário que encontram raízes nas Conferências de Eranos - a partir de uma visão transdisciplinar, transcultural e transreligiosa. Minha dissertação de Mestrado em Ciências Humanas “Imaginário e o motivo mítico do regresso ao útero: uma pesquisa narrativa acerca do faz de conta infantil”, orientada pela Profa. Dra. Maria Auxiliadora Fontana Baseio, reflete sobre: o caráter iniciador do brincar, a função humanizadora da arte de contar histórias e do faz de conta, inseridos nessa linguagem, e o papel do adulto no contexto da educação da sensibilidade.


Trata-se de uma investigação a partir de narrativas do vivido que se organiza no complexo entrelaçamento de histórias: meu percurso como narradora artística e sua relevância para construção de um pensar narrativo, alguns mitos e contos de tradição oral nos quais o motivo do regresso ao útero se faz presente e as brincadeiras vividas com crianças, olhadas sob a perspectiva de sua própria linguagem narrativa - o Brincar.

© 2016 Cristiane Velasco. Todos os direitos reservados.

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